domingo, 30 de novembro de 2014

Uma história de superação - Educação na Finlândia

Uma pergunta que tenho feito é qual caminho a Finlândia percorreu para chegar onde está na educação. Não é fácil obter uma resposta, pois nem os finlandeses entendem direito esse processo.

Então, o que vou fazer aqui é um resumo do capítulo 1 do livro de Pasi Sahlberg, Finnish Lessons.

A Finlândia saiu arrasada da II Guerra Mundial. Assinou um acordo de paz com a União Soviética em setembro de 1944, tendo que lutar para remover tropas alemãs de seu território até abril de 1945. Perdeu 12% de sua área para os soviéticos e teve que realocar 11% de sua população.
Em 1950, somente aqueles que moravam em cidades maiores tinham acesso às grammar schools (escolas com 5 anos de ensino fundamental II e 3 de médio). Nesse ano, só 27% das crianças de 11 anos estavam matriculadas no fundamental II. Havia 338 grammar schools e 2/3 eram privadas.
Salhberg cita três comitês das décadas de 1940 e 1950 que levantaram a discussão sobre o sistema de ensino no país.
O primeiro, comitê curricular da escola primária, foi estabelecido em junho de 1945. Foram estabelecidos novos objetivos para a educação, afastando-se do modelo alemão. A reforma do currículo foi baseada em estudos experimentais envolvendo 300 escolas e 1000 professores. Segundo Sahlberg, o trabalho final da comissão, publicado em 1952, era de excepcional qualidade, formulando objetivos educacionais de modo sistemático e com uma perspectiva centrada nas crianças.
O segundo comitê, estabelecido em 1946, era o do sistema educacional. A proposta era que o sistema finlandês tivesse 8 anos de educação básica compulsória e igual para todas as crianças. Entretanto, a proposta do comitê era de que só aqueles que tivessem aprendido línguas estrangeiras poderiam prosseguir os estudos no ensino médio. Isso criou um debate na sociedade sobre justiça social e criação de oportunidades educacionais iguais.
O último comitê citado por Sahlberg, de 1956, foi o de programa escolar, para unificar o sistema educacional. O comitê fez um trabalho de análise das políticas internacionais de educação e, alinhado à prioridade da época nos Estados Unidos e Inglaterra, melhorar a igualdade de oportunidades educacionais tornou-se um tema central. As recomendações publicadas em 1959 propunham um sistema de 9 anos de educação básica, em que os 4 primeiros anos eram iguais para todos, progredindo para uma diferenciação em orientação prática ou acadêmica (com línguas estrangeiras) a partir do 5º ano.
Essa proposta iniciou um debate profundo sobre o valor da educação na sociedade finlandesa. A questão principal era: é possível que todas as crianças aprendam? Os professores primários acreditavam que sim; as universidades, em geral, duvidavam e os políticos estavam divididos. Por fim, com um debate acirrado, que incluía algumas previsões sombrias de que educação igual para todos faria o nivelamento por baixo, que o nível geral da educação iria diminuir, de que o país jogaria fora seus talentos e perderia a corrida na economia internacional, uma proposta modificada foi aprovada em novembro de 1963. Ali estava criado o novo modelo educacional finlandês. Nesse modelo, chamado peruskoulu, todas as crianças teriam direito à mesma educação básica durante 9 anos. Esse novo sistema seria iniciado em 1972 no norte do país e estaria completo em 1978, nas áreas urbanas do sul.
Sahlberg reforça (e eu aqui também o sigo) que não foi fácil alterar a crença corrente na época de que nem todos eram capazes de aprender. Um tal de relatório Coleman do governo americano ecoava em alguns setores da sociedade, com a opinião de que a personalidade e disposição dos jovens era sedimentada no ambiente familiar e que a escola não tinha muito como alterar isso. Contra isso, alguns pesquisadores argumentavam que a habilidade e inteligência individuais cresciam de acordo com o nível requerido pela sociedade, e que os sistemas educacionais simplesmente refletiam esses limites ou necessidades. Sahlberg ainda cita que a Associação dos Professores Primários teve um papel de destaque ao apoiar a alteração no sistema e acreditar no potencial das crianças.
Esse novo modelo, peruskoulu, forçou o desenvolvimento de três aspectos. Primeiro, ao integrar estudantes com diferentes históricos, obrigou a alterações nas estratégias de ensino. As dificuldades de aprendizado deveriam ser identificadas logo e os alunos auxiliados de forma adequada. Segundo, fez com que o aconselhamento de carreira se tornasse prática nas escolas básicas. Terceiro, a reforma não era apenas organizacional, mas de filosofia de educação: (a) todos podem aprender se tiverem adequadas oportunidades e suporte; (b) compreender e aprender através da diversidade é uma meta importante; (c) escolas devem funcionar como democracias em pequena escala, na linha de pensamento de John Dewey. Ou seja, estavam se sedimentando as ideias de igualdade, diversidade e participação. Em 1979, com a percepção de que métodos alternativos de ensino eram necessários, uma nova lei de formação de professores foi aprovada, com foco em desenvolvimento profissional e capacitação baseada em pesquisa (todo professor tem que ter mestrado).

O que é mais interessante é que as ideias educacionais implementadas na Finlândia foram importadas principalmente dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. E mais interessante ainda é que especialmente nos Estados Unidos e Reino Unido os resultados das pesquisas sobre conhecimento e aprendizado ficariam somente nos meios acadêmicos.

Todos podem aprender. É o que está cristalizado e solidificado como premissa básica no sistema finlandês. O que não implica que todos aprendem de forma igual, e daí saem todas as estratégias de personalização dos percursos formativos que aqui são aplicadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário